Futuro do trabalho

Algumas reflexões a partir da experiência de compartilhar sobre o tema futuro do trabalho com adolescentes.

Gabriela Inácio
4 min readMar 6, 2021

Na semana passada tive a oportunidade de facilitar 3 encontros com pré-adolescentes do programa Bom Aluno para falar sobre Futuro do Trabalho. Gostaria de compartilhar algumas percepções e reflexões sobre essa experiência que para mim foi muito rica e gratificante.

Eu não tenho muita experiência com adolescentes, não sabia o que pensavam e até onde faria sentido chegar nas reflexões. Eu não lembro mais o que eu pensava sobre futuro e sobre trabalho com 13 anos.

Esse tema está sempre circundando o trabalho que realizo na cuidadoria, porém o foco são sempre adultos, pessoas que já estão no mercado de trabalho, que já carregam certas frustrações e conquistas. Mas como é falar disso com quem é tão novo? Com quem ainda está na fase do sonhar? Como incentivar sonhos com bases sólidas? Sonhos que podem virar realidade e não sonhos que depois só geram frustrações. Tentei pensar no que eu gostaria de ter ouvido para me preparar melhor para o futuro próximo.

Falar sobre o futuro do trabalho não é falar sobre escolha de profissão, isso é um recorte específico e que só tende a gerar sofrimento quando visto de forma endurecida. O futuro é a cada dia mais complexo, mais incerto e mais dinâmico, tudo muda, as profissões mudam, trabalhos deixam de existir, outros trabalhos surgem. O que sobra?

É preciso antes de tudo ampliar o que é trabalho. Trabalho não é o que você é pago para fazer, trabalho é a ação do homem no mundo, essa ação que transforma tudo ao nosso redor, que constrói pontes, cidades, aeronaves, que planta, que acolhe, que cuida. O que nos torna homo sapiens é a nossa ação com objetivo, com propósito, que transforma o meio e nos transforma ao mesmo tempo. O dinheiro só entrou na história muito tempo depois, como um intermediário de troca para facilitar as interações. Antes de existir dinheiro, o ser humano já trabalhava.

Hoje vivemos uma revolução tecnológica, estamos no meio dela. Temos um futuro promissor em alguns aspectos no campo científico, porém um futuro provável que não parece promissor em outros, máquina substituindo gente, como nunca antes. Alguns falam que se o dilema do século 20 foi melhorar as péssimas condições de trabalho, o dilema do século 21 pode ser a não existência de trabalho, não pra todo mundo, não como conhecemos agora, e de alguma forma a gente já está sentindo isso através do número de desempregados ou pessoas na informalidade. E como ficamos?

Com o avanço tecnológico o trabalho precisa ser cada vez mais humano. O que te diferencia de um robô? A sua capacidade de SER humano, de ser criativo, de ser relacional, inteligência racional não vai dar conta desse futuro volátil. Outras inteligências, ainda pouco exploradas, precisarão ser colocadas na mesa. Nossa capacidade de convergência, de trabalhar em grupo, de colaborar, nunca foi tão requerida. Abertura para ver aprendizado em tudo, nas conexões, nas conversas com os amigos, na conversa com a avó.

Se preparar para o futuro não é traçar uma reta fixa, uma profissão exata, e querer controlar o caminho para chegar até lá. Esse é o caminho para a frustração. Se preparar para o futuro está muito mais relacionado a ser interessado, disponível para aprender fora da sala de aula, com as interações humanas que nos circundam, disposto a fazer novas conexões entre temas, entre áreas, entre pessoas que não se conhecem ainda. Navegar no incerto com maior tranquilidade, e desenvolver a “já famosa” inteligência emocional.

Mas não seria muita informação para passar aos adolescentes ainda tão novos? Eu me fazia essa pergunta, mas essa pequena experiência me mostrou que não. Eles precisam ouvir, não só precisam, mas como estão prontos para ouvir. Isso tudo é uma grande transição, e como a psicóloga do programa comentou, os adolescentes não entendem a transição, mas sentem. Eles sentem que o mundo está mudando, que tudo está mudando. Não falar sobre isso só irá gerar mais sofrimento. Não é a toa que quando perguntei dos sentimentos deles em relação ao tema, boa parte das respostas foram: medo, ansiedade e responsabilidade. A palavra esperança também apareceu, mas com menos frequência do que eu gostaria de ver (talvez já seja um sintoma da pandemia).

E para minha não surpresa, quando perguntei o que eles achavam que o mundo precisava, eles responderam: solidariedade, empatia, criatividade e abertura à mudança. Não surpresa porque eu acredito na juventude e na atualização da humanidade a cada geração.

Por fim, queria dizer que precisamos falar sobre o futuro do trabalho (que já é presente). Pois só assim podemos começar a criar futuros desejáveis e mudar a história dos futuros prováveis. Eu quero um futuro COM trabalho, trabalho digno, trabalho com significado, com ação no mundo ativa e transformadora. E o reconhecimento do trabalho, seja ele financeiro ou por status, sendo direcionado às verdadeiras transformações sociais que o mundo precisa: justiça social e regeneração da natureza.

Precisamos sonhar, o futuro do trabalho pode ser mais colaborativo, com mais propósito. O futuro do trabalho pode redirecionar a rota do dinheiro do mundo, fazendo ele chegar aonde precisa. O futuro do trabalho pode ser regenerativo. O futuro do trabalho pode ser incrível… mas precisamos falar sobre ele, precisamos criar ele!

A única força revolucionária é a força da criatividade humana! — Joseph Beuy

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